MORFEU
Relatar qualquer experiência,
quando se trata de performance, com a visão do artista que a fez sobre a reação
do público que a presenciou, é possível sempre se identificar algumas reações
das quais o artista esta familiarizado. O estranhamento como objetivo da
performance não vem em sua totalidade na maioria das vezes por conta dos que não se “deixam” afetar por aquele
deslocamento por mais que o intuito uma vez determinado seja de afetar diretamente
esse sujeito, em suposição. Outro lugar a ser destrinchado em poucas palavras
nessa crítica é o de necessidade de sentido em uma performance onde é agregado
outros pontos e possivelmente menos aquele que veio como principal.
A performance “Morfeu”
realizada na instituição Universidade Vila Velha teve a intenção de deslocar do
mais intimo ao mais sombrio da realidade sonífera de todo a massa, não só
daqueles que iriam presenciar, resumidos em nove performances espalhadas pelo
espaço de entrada da universidade com colchões, lençóis e pijamas tudo para
trazer essa realidade e que consequentemente acaba adquirindo uma visão lúdica
daquele recorte da vida.
E para conseguir esse recorte
de vida, gerando a veracidade entramos no ponto da vivência da ação e da
interpretação. Há uma tênue linha entre esses dois aspectos. Viver a
experiência da performance gera um efeito indiscutível que a interpretação não
alcança, por você se entregar na ação como um “boneco de lama” e ir se
moldando, adequando. Absorvendo o inesperado da vivência. Mas não podemos
rejeitar a interpretação por completo com o receio de que o espectador perceba
e não interaja com ação por se tratar de uma ficção, mas evitar ao máximo essa
“preparação” antecipada da performance.
“Na vida cotidiana, a verdade
é o que existe realmente, o que se conhece. Enquanto em cena, ela é constituída
de coisas que não existem realmente, mas que poderiam ocorrer.”¹ Diz
Stanislavski sobre a naturalidade cênica, mas que se encaixa de certa forma na
situação que a “Morfeu” propõe.
A principio o objetivo em si
era expor a realidade do que acontece no momento que estamos mergulhados no
nosso mais profundo intimo. Várias ações que acontecem foram feitas e a opinião
sobre do que se tratava aquela ação estava livre para o entendimento do público
que a assistia. Deixar livre a interpretação para o espectador tem um caráter
muito enriquecedor, podem surgir sentidos que nem foram cogitados durante a
elaboração, o processo da mesma. Quando um sentido maior é estabelecido e que
há o esforço para que o mesmo seja entendido pelo público, acaba desfavorecendo
o próprio objetivo.
O sujeito acaba por realizar a
sua própria leitura daquela cena ou até mesmo fazendo nenhuma, por não fazer
sentido para ele e isso que acaba gerando uma confusão de sentidos, o que
também é valido em uma performance.
A expectativa sobre os
comentários dessa performance com um sentido maior, pode ser frustrante por
conta dessa confusão de leitura. A ação pode ser muito elaborada e com o
sentido claro para o artista, mas quanto para público passou despercebido, o
erro de manter a performance sobre a única visão do artista e esquecer de que a
performance é também feita para o público compromete o objetivo e sua intenção,
a de provocar.
“Chocado
com a Universidade Vila Velha, uns alunos (provavelmente de artes cênicas)
encheram o prédio de Direito de colchão (com um monte de gente deitada,
plantando bananeira, pedindo silêncio, pedindo pra dormir junto etc.) e
colocaram um doido fazendo simulação de atos obscenos na escadaria principal
junto com uma menina jogando sangue fictício pelo corpo dela e dele – A sentir-se confuso” (A.N)
As vezes o sentido é ser sem
sentido. A provocação da performance é alcançada mais não a que o artista
provavelmente desejou. O deslocamento dessa ultima cena citada no comentário
pode não ter saído do além que faz sentido para o artista.
A reação do público em
resposta a esse estranhamento carregado de vários olhares críticos ou não, que
compõe essa recepção subjetiva do público. Desse olhar externo que se é sujeito
receber, são daqueles que se vêem em um verdadeiro estado de possível
semelhança, curiosidade, questionamento, aversão. O público interage direta ou
indiretamente com aquela situação que é fictícia, mas que contém uma ação da
realidade que pode requerer uma intervenção maior por parte dele. Mas também há
aqueles que se comportam indiferente ao diferente que está ali, próximo de seu
cotidiano, da sua realidade.
O sujeito ser afetado pela
performance traz esse comportamento, mas
há também aquela parte do público que não se deixa afetar, quase como um
tipo de negação a tudo aquilo que interfere no seu cotidiano. O comportamento
dos “não afetados” á aquele deslocamento, talvez por não se permitirem gerar
associação com aquela situação por mais semelhante que possa ser ao indivíduo
ou simplesmente por querer ser indiferente, nesse caso, ao intimo exposto em um
local incomum.
Os “não afetados” define-se
como aquele público fechado que não aceita a provocação nem o deslocamento que
aquela performance traz embutida nas suas ações. De certa forma é um estranhamento
que vem como resposta e não se deve descartar. Mas finalizo com uma
justificativa a esse comportamento não só referente a performance mas também na
vida: Nós não estamos acostumados a interação.
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